terça-feira, dezembro 27, 2005

Réquiem de merda nenhuma

Incrivelmente triste.

Sem dor pra apalpar

Nem costas pra dar à vida.

Encaro-a de frente.

Bêbada

Assassina





Eu mesma

Conflito a menor parte de mim mesma

Com a parte

Que não cabe

Nem se sabe

Em mim.

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Ode ao Sambaman Eletronic Band

Um dia houve poesia
Aí o samba nasceu
O azul fez mar
O céu copiou
E Deus emudeceu


A poesia acabou
Entrou a chuva forte
A dor de faiscar no mundo
E o homem entendeu


Entendeu que esquecimento é razão
Que existem mais fronteiras que
Paixão
Que ser demais é algum encontro
Que duas doses
É infinito


Aí a poesia,
Subterrânea, subterfúgio, submérgica,
Subnunca,
Aí a poesia,
Marginal,
Malandra,
Assassinou
Um pouco das almas
Pouco a pouco


Aí o samba desceu
O azul da alegoria
Os céus da boemia
Num canto da orgia


Deus Jurou
Que nos tem amor.

quarta-feira, dezembro 14, 2005

O Lugar que não existe

Passei o final de semana em Penedo, a Finlândia brasileira. Lugar bom, bonito e barato. Jeito de muitas histórias por trás dos rótulos das coisas e biografias magnânimas dos antepassados do lugar. O primeiro chegou de navio com o intuito de fundar uma sociedade natural. Lá, debaixo de quilos de neve, não seria possível. Sem carnes, peladões, suando na sauna (invenção deles), comendo cenouras e vagens com a bunda nas pedras da cachoeira. Não deu muito certo. Muito mosquito, cobra e dificuldades de adaptação. Não à toa foi e voltou para a terra natal sete vezes em dez anos. Pelos registros , sem usara de força escrava e negra. Apenas da vontade de seguir, dos corpos brancos de doer na vista e de algum sonho maior. Alguém pergunta: por que Ênia fala desse reduto com coisas embaixo das coisas?

Porque fiquei imaginando, vendo aquela "finladiada" loura toda , uma África Brasileira. Será que algum negão do Togo, com a pica grande balançando, cheio de mulheres, patuás e músculos não sonhou um dia em viver num dossel pacífico, longe de guerras tribais e da secura incadescente de sua terra? Ou no frio esquisito do Norte? Ou nas águas doces abundantes do sul? Será que algum bérbere, banto ou soninké não sonhou com uma espécie de deus falando português em uma Salvador qualquer?

Fiquei imaginando que não deu tempo, caros. Antes que pensasse, tomaram suas mulheres, sua plantação, armas, crenças, erros e a liberdade. Teve que adaptar-se em qualquer lugar. Extraviado por navios ou não, comprado, vendido, usado. Conquistado, barato ou caro. Sem nada, reproduziu-se. Estrupadas as mulheres, não conseguiam amar aos filhos. Filhos de quem? Da dor, da humilhação? Amamentavam a perpetuação da tristeza e as saudades de casa. Não quiseram vir, nem fundar nada mais natural do que já tinham. Não escolheram. Não conquistaram.

A África brasileira, mesmo assim, existe. A fila anda. É preciso saber viver. Sobreviver. Mas sem histórias por trás das histórias. Está no Brasil por debaixo do Brasil. Intuitivamente não afundaram; ascenderam. Por cima das cabeças dos conquistadores. Perto da lua. Onde a voz, o violão e o samba coexistiam sem ser incomodados. A única forma de liberdade persistia sem ser velada. O homem, antes do negro, cantava.

A África brasileira é irregular como os morros, os barracos e a história de si mesma.

O negão do Togo não soube voltar. E ainda , infelizmente meus caros, tão brasileiro como nós, não aprendeu a ficar.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Boca Delivery

"Quem um dia visse uma boca de fumo não compraria mais drogas.
Porque ali, ou acolá, que é onde der na telha estar
Entre bolas e soldados, entre pipas e fuzis, entre as vidas e uma única morte.
Entre tiros e afins. Andam homens, velhos, doces, sonhos, pães, portas de casas, livros, cheiros.
A ameaça é mambembe.
Quem um dia visse, colocaria a arma na panela de pressão da empregada.
E o feijão, um tipo de suicídio.
No ronco da tarde.
"


- Cícero Lido, poeta pernambucano.

Duelo de tãos




Pra vida, a morte

Para muitas vidas, apenas uma morte.

Deus deu muitas vidas e uma morte

Dois ouvidos pra escutar, mais que falar

Quem ouve a vida ou a fala a morte

Quem vive ou quem morre

Só morre após a vida

Então me diz: quem é mais?

terça-feira, dezembro 06, 2005

Morto e Fêmea




Eu tô cansado amigo. Vou dar rolé, puxar um cré, viver de ré pra dar um tempo na cabeça.
Não começa, tô sozinho, uma criança perdida no vizinho ali do lado, sabotado
Um bom lugar não é o meu , quem se perdeu uma vez , toda vez a mesma coisa
Quem vem lá? Quem sou eu? É a morte toda prosa.
Poesia
Algum dia prometia
Cortesia
Nessa vida quem diria
Toma cá, vou andar, muito mais pra vazar disso aqui que sou eu como um rito
Brota um tanto de um osso, os policias no pescoço, correria, tiro e grito
Algum homem me matou
Capa preta, linha reta, a receita desandou
Deus sentado, bunda dura, viu um filho
Nele mesmo se acabou.

Eu tô cansado amigo. Vou dar um pão, ferro e chão, uma canção pra cantar
Não é lá , cai rapá, lero e bá noite foi
Noite veio papo vem, a mulher que sou eu
Conquistei beijo meu
Me amei , amo eu
Tampa a nuca , toda idéia, tô cansada, feito o tal
Tô na pilha, mãe e filha da mulher
Quem disser que não , diz que é
Morto e fêmea
Basto o dia quando caio mesmo assim
De pé.

Poesia
Algum dia prometia
Cortesia
Nessa vida quem diria
Dar rolé
Puxar cré
Lero e bá
Conquistei
Algum homem
Em pé.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

LEBLON

Não gosto de situar lugares. Prefiro decupar cheiros e luzes. Mas era Leblon. O bairro, como uma estação do ano. Anunciavam flores pelas ruas e maresias no ar diferente. Que vinha do mar, mesmo sem vê-lo. Estava num ônibus, que zombava da simetria da vida ali, naquela hora, naquela passagem. Era grande, rosnava, cheio de gentes, a maioria escura. Estava sábado. O dia, como uma temperatura. Descombinava, humilhava-se, um bobão gigante, desengonçado e feio. Mostrava a língua. Criança mal-educada na fila. E eu xingava a todos pelos meus olhos quebrados.
É que eu não pertencia àquele lugar. Fazia questão de despertencer os outros ao meu lado; insones, caducos e mortos de tanto trabalho. Éramos uma afronta, um tipo de revolta e nossa própria polícia cheios de gás lacrimogêneo. Éramos gritos e gritos sobre os gritos que tentam abafar-se a si mesmos. Por isso pendíamos as cabeças pra lá e pra cá, praqui e acolá, uma freada sim, um calombo sim, um desembarque, apito, curva, reta, sono, espirro, mulheres, mar (entre prédios e prédios). Como soldados marcados , presos e cheios de liberdade.


Sentia dor. Pela dor de não tocar os homens do Leblon mesmo sendo um homem. Estacavam no peito, como ferimento mortal e bandeira, um Brasil que não existe. Nem aqui, nem na China. Aquilo tudo era delírio, uma encenação cínica feita pra ninguém. Nossos tiros sangravam fantasmas. Bem limpos, vestidos, felizes, livros, cafés, bolinhos to die for, o Globo, pranchas, mechas, postes de isopor, andares lentos e obras definitivas cruzando-se e saudando-se. A sujeira que chegava no ônibus chegava, calava e passava. Em direção a própria sujeira. Circular.

Restava pouco tempo. Em breve desceria. Precisava escolher em fundir-me covardemente ou cagar literalmente e literariamente na cabeça daquela Europa perversa. Suava frio, vontade de peidar, as sobrancelhas bagunçavam, a bunda amassada, caminhei.

Passei pelas cervejas, pela boemia histórica e inútil. Pelas lojas caras, quase todas. Por um entregador velho. Entrei na livraria. Era o centro difusor daquilo tudo.

- Estou procurando um livro.

Óbvio. Falei meio nervoso, olhava a grandeza do lugar. Olha como estou situando tudo, muita gente sem olhar e olhando, cheiro de madeira e café, como uma pessoa.

- Qual?
Estanquei. Negro, mal-arrumado e com cheiro de mofo no black-power. Todos estancaram, como se tivesse cortado os pulsos no meio dos vampiros. Atraí. Aproximavam, esticando os ouvidos e os cérebros. Era a hora da revolta. Num Leblon sábado à tarde, como uma alma.


- Um sobre favela.

Não tinha lá. Mas comprei outro de mesmo assunto. Vinguei. Mostrei o veneno no seio da cura. Salvei-os também. Agora se precaviam. Guardavam mais no canto, escondiam como mito, oravam pra esquecer. Existia um ônibus revoltoso na livraria. Só que não apitava, nem balançava. E ao sair dali, cortava ao meio toda aquela maresia. Era arma e escudo de uma guerra invisível.

Fui pra longe dali. Prum bairro mais pobre. Começava a despertencer as coisas.

A inquietude, como uma vida.

sexta-feira, novembro 18, 2005

Rio de Janeiro de que cariocas?


O Rio de Janeiro tem vocação para a beleza. Ele é um homem lidando com o próprio ego sempre. Se vê no espelho e move-se em direção ao que tem de belo. O que somos é o que ele pensa. O que morremos é o que ele evita.

O Rio de Janeiro quer ser a Zona Sul. Então somos músicos, "pintores, poetas e compositores" olhando-nos pela Zona Sul. É ela que fica doente, que grita, sangra, teme, veste, joga, beija, assume, revela, protesta, espanta, vive e sofre.

O Rio de Janeiro é pequeno demais. Egoísta, egocêntrico e míope. Preguiçoso. Vê TV demais. Muita Rede Globo, que é voz dele mesmo. Não, não parece o Bonner.

O Rio de Janeiro é mais gordinho, de óculos, chopp no Leblon, que é o canto do coração. Praia, mesmo que escondendo o corpo. Masturba-se com o que vê lá. Tem pesadelos com a Baixada. Cheira cocaína pra sair da mesmice e rói os pensamentos por culpa do tráfico.

O Rio de Janeiro não atravessa o túnel, a lata, a cara, a alma. A rua. Está de castigo em si mesmo. É um "zé mané".

Por isso o Rio de Janeiro não existe. Nunca ninguém viu. E, se viu, não sabe como é.

sexta-feira, novembro 04, 2005

Da série parcerias que poderiam rolar


Caetano Veloso e Moska

Língua
E Cabelo
Formam deuses

Por entre as
Louças
Baratas
Que quebram
Desquebram
Sequer drão

Imperador
Morto
No Furacão

Luz
E Degelo
Formam meses
Por dentro as veias
Abertas
Que restam
Alertas
Xeretas

Emprestam
Vozes
Cartolianas

À imensidão

terça-feira, novembro 01, 2005

Pensamento do Caraio

Um pensamento sempre explode
Não surge, existe,permanece
Explode, desagua e tudo o que existe depois não é mais pensamento
É resto de tempestade, corpos ou pólen
São relatos dos heróis da tragédia
Da batalha
São crianças vingando os pais
Ou as lendas construindo vidas

Tudo coexiste em nós mesmos
Mas nunca existe na mesma hora
Somos sempre o que estar por vir
E o que passou
O presente não existe porque não existe em nós.

É o nosso erro
Viver pelo que há agora.

Assumamos nosso talento
Para o vazio suspenso
Dentro de nós
O espaço exato em que nada cabe
Só o não-ser
Essa fração infinita
Que sucede o próprio vazio
E é.

segunda-feira, outubro 31, 2005

SAMBA DE ALGUÉM

As vezes eu acho que a vida
É só um motivo prum samba

Falta amor, falta riso
É só tristeza na rotina

A gente briga, se escraviza
E agoniza feito o tempo

Noite chega e tudo é o mesmo
Só o meu samba é a manhã

As vezes acho que a gente
Tem motivos pra chorar

Quanta coisa é pro mal
Quanto mal na vida há

E por mais que alguém me beije
Me acarinhe e me tenha

Nada acalma mais que o samba
Que compus pra me ninar

Nada chama mais que o samba
Que compus pra me iludir

Nada sangra mais que o samba
Que compus pra não sangrar


Às vezes creio em você
E não creio no que deu

Deu lágrima
E blasfêmias

E alguns tapas merecidos
Mas ninguém venceu

Meu samba soube disso
E uma corda arrebentou

Às vezes não sei mais da vida
E vi que o samba terminou

domingo, setembro 25, 2005

Impossíveis Músicas


Da Série parcerias que poderiam ter rolado:

ÂNGELA RÔ RÔ & IVAN LINS

Você me teve
Em Algum Leblon

Amantes bêbados
Fora do tom

Punidos e Nus
De tanto amor

Seu cheiro tem poesia
Deixa o suor dar em flor


Te amar, eu sei,
É o pouco que eu
Vejo


às vezes, quem sabe,
Somos um dia
Dentro de um beijo

sexta-feira, setembro 23, 2005

IMPOSSÍVEIS MÚSICAS


Da série parcerias que infelizmente não se transformaram em música:

João Bosco/Aldir Blanc e Toquinho

Uma mistura de amorzinho
e patuá

Duas Áfricas
em um mesmo saravá

A desilusão feita
De cachaça-maçã

Um suicídio contido
No Maracanã

Um violão
Tropeçando nas ruas

Mais sete cordas
Mais cinco
E mais duas

E um samba
Falando com o outro
Assim

Como quem sabe mais
Mas não conta
Pra mim

quarta-feira, setembro 21, 2005

Diálogos de Rivaldo

(Na Portaria). Alguém grita.

- SEU RIVALDO!!!
- Diz aí quem me chama.
- Seu Rivaldo, meu irmão entalou na lixeira.
- Ou ele merece estar ali ou vocês não merecem morar no prédio.
- Por quê?
- Ou ele é imbecil o suficiente pra fazer qualquer coisa num lugar tão sujo e inumano ou vocês estão com falta de comida em casa, o que significa pobreza e eu não suporto gente pobre e burra.
- Meu Deus, Seu Rivaldo. É meu irmãozinho...
- Sabe que eu não posso sair da portaria à toa. Não posso fazer nada. Já faço nada aqui.
- Nem um minutinho? Ele deve estar morrendo!
- Minha filha, entenda uma coisa: eu sou porteiro, não sou bombeiro.
- Não tem ninguém que possa ajudá-lo aqui! O que eu posso fazer? Meu Deus, estou desesperada!

(Com cara de pensativo)

- Vamos lá.

(Chegando lá molha as pernas do garoto com álcool e acende um fósforo)

- Meu Deus!
- Isso que é desespero, sua filha da puta!

(PAUSA)

- Odeio gente burra!

sexta-feira, setembro 16, 2005

PÉROLA NEGRA


As ladeiras, naturalmente, formam um labirinto. São descidas, subidas, desvios na direção oposta à caminhada, casas aleatórias que se transformam em sinalização, barreira ou referências. Acidentes da construção humana. O caminho, às 05 horas, ainda sofre com a escuridão e com a desconfiança dos traficantes da vigília, sempre mais atentos ao amanhecer, hora onde a emboscada policial se agiganta no descuido das armas de quem não precisa engatilhá-las e na fraca mas oportuna iluminação do sol. Nada que intimide Dona Olga. Participou da construção de alguns becos, namorou em outros, ajudou a criar os meninos com fuzis de verdade. Lá foi e é feliz.

- Bom Dia, Dona Olga.
- A benção, Tia. Bom trabalho.
- Deus te abençoe, meu filho.

Dona Olga é uma imigrante do norte. Junto da mala , há mais de 50 anos, bastante coragem e a incerteza de sobrevivência. Não tendo onde morar, se instalou em um lugar bom, deserto mas com jeitinho caseiro. Um morro onde a modernidade havia esquecido. Uma pequena roça, simples, que de tão íntima apelidaram Rocinha. Uma menina q tratavam com carinho, que deslumbrava com suas cachoeiras e a praia toda a seus pés. Uma menina que foi sendo esquecida, maltratada. Fumou, cheirou, se tornou violenta. Cresceu, se perdeu nos próprios demônios. Se tornou de todos, de tantos. Uma babel construída para se chegar a nada.
Dona Olga veria essa menina morrer violenta e duplamente. Não perceberia.

Aos poucos o silencio do interior do morro da lugar a pulsante despertar da cidade. As curvas do beco vão dando em lugares cada vez maiores e arejados. A vala que a acompanha se torna escassa, filete quase limpo de água. O cheiro é bom, de fumaça e de mar. Sem perceber, Dona Olga abandona as casas de alvenaria, ruborizadas pelo sol incidente. Vai pensando, na vida, nos sete filhos, no neto que está para se formar e na filha que perdeu. Com a mesma desenvoltura cumprimenta um policial militar, que não responde ao aceno, olhando-a de cima a baixo. Alguns rojões de fogos de artificio saúdam a chegada do inimigo. Voam luzes diante da cabeça de Dona Olga e de 200 mil habitantes da Rocinha, diminuídos frente a imponência do que é chamada a maior favela da América Latina.

- Cheguei, Madame.

É empregada da casa há quase 20 anos. Prepara o café, acorda as crianças, brinca com o patrão. Espera sua hora de ficar sozinha. Arruma tudo, cozinha, com uma rapidez que nega seus 65 anos de idade e vê a sua novelinha. No fim da tarde volta para Rocinha. Escolhe um caminho que não faz normalmente. Vê, um pouco acima na ladeira, sua filha Solange, ex-traficante, morta com tiros de fuzis, jogada a jacarés criados no morro, andando, sorrindo. Se aproxima rapidamente, torna uma esquina, corta caminho em outro beco e toca a moça.

O engano só se dissipou de sua cabeça quando chega em casa e cozinha para a família. Dona Olga não sabe muito da vida das outras milhares de mães que ficaram sem desamparadas nos últimos 20 anos de guerra entre policiais e traficantes no morro. Olhando os netos na porta de casa, lembrava de sua outra filha, a mais velha, brincando pela Rocinha cheia de mato, subindo em jaqueiras e laranjeiras, chegando molhada de cachoeira e mar. Não temia que usasse drogas, não havia tantas. Nada de ruim era tanto como hoje

- Essas crianças , tudo cheira! Tudo fica grávida!

A ordem é para todos se recolherem no cair da noite. A ameaça de invasão de um outro traficante deixa os locais com um misto de ódio impensado e excitação. A polícia está escondida, os "vermes" podem aproveitar a batalha entre os bandidos para tomarem o poder no morro. Dona Olga não conhecia o ambulante morto com uma bala perdida. Saiu em todos os jornais. A Rocinha é sempre notícia, é tão grande, tão falada, dá orgulho, tão bom de se viver. E no labirinto das ladeiras, confunde suas próprias emoções.

- Olha, tia, a Pérola Negra – dizia, orgulhoso, um traficante exibindo o fuzil atravessado no ombro.

Solange era negra, linda. No meio da bandidagem se destacava, era esperta, ousada, encantava. O corpo bem torneado e o rosto fino não afinavam com a violência, a brutalidade e o perigo que rondavam sua vida. Era uma pedra preciosa no valão.

Dona Olga desligou a tevê, lavou a louça e foi para cama. Antes de apagar a luz, lembrou do traficante, amigo de sua filha morta.

- Olha, tia, a Pérola Negra.

Não lembrou de Solange. Virou o rosto para o lado da parede, suspirou o cansaço de um dia e achou graça.




quinta-feira, setembro 15, 2005

Diálogos de Rivaldo

Na Praia.

(Recepção calorosa).

- Seu Rivaldo, que surpresa! Não sabia que o senhor gostava de tomar sol.
- Pra você vê dona Mariana. Como as pessoas não sabem de nada...
- Puxa, Seu Rivaldo, só fiz um comentário.
- Desnecessário, imprudente e bem digno da sua pessoa.
- Como assim da minha pessoa?
- Pessoa que não sabe de nada.
- Fique o senhor sabendo que eu sei mais que você pelo menos, seu porteiro ignorante!
- Viu? Tá provado.
- Provado o quê?
- Não sou porteiro, sou vigia de bunda. Não sou ignorante, finjo que não entendo pra chegar mais perto e ficar olhando peitos, inclusive os seus.
- Que absurdo, seu Rivaldo, vou ter que te denunciar pra síndica.
- Tô comendo a síndica, não adianta.
- Meu Deus, onde é que esse mundo vai parar?!?

(Com cara de safado)

- No colinho do papai, benzinho, no colinho do papai.

(Mariana foge com cara de assustada).

Definições

Madrugada é quando todos os homens

E as coisas que vêm dos homens

Não se movem.

Como uma foto impossível de nós mesmos.

quarta-feira, setembro 14, 2005

Suicídio



A primeira coisa que aprendi com a tristeza

Foi conversar com uma mulher mais triste que eu.

Foi ver que a solidão é sempre uma companhia promíscua

Foi perceber que os sentidos não têm sentido de ser


Depois fui dar com o desespero

Em forma, jeito e ocasião de silêncio

E vi que calar independe da voz

E vi que minha vida independe de mim


Mais tarde ainda acendi o espelho

Ceguei-me aos poucos

Parti-me em muitas, me fundi com o sono.


Resolvi esquecer que desde o início

Somos feitos de caos.

Que somos a perfeição do caos.

Diálogos de Rivaldo


FUTUM

(No elevador)

- Dona Serena, bom dia.
- Bom dia, Seu Rivaldo.

Silêncio.

- Soltei um peido.
- É mesmo, Seu Rivaldo? Por que me falou isso?
- Porque não falar? Sempre solto um peido quando entra alguém no elevador. É mais sincero avisar a pessoa.

Constrangimento.

- Graças a Deus não fede.
- É porque sou limpinho. Alem disso me alimento bem.

Silêncio.

- Ao contrário da senhora, não?
- Por que? Está fedendo?

Desaprovação de Rivaldo.

terça-feira, setembro 13, 2005

Buceta perdida



Quando a perdi, por babaquice minha. Tinha que sossegar a xoxota, mas não, deixei a cabeça q naum tenho falar por mim.


Isso era para ser um poema.
Desapareceu de se tornar. Virou confissão, desabafo incondicional, lágrima.
Agora, tarde demais, virou alma.
Seria uma medida pra compreender o quanto a amo
Virou tanta coisa
Que nem tanta coisa que esqueci de dizer
E risos que escondi
E beijos que não dei
E cada amor que nasceu sem saber
Nasceu, sem saber, de vc.
Isso era pra ser métrico, perfeito, transparente.
Virou isso, carregado de mim
De toda a imperfeição que a inerência do homem dá
Uma irresponsabilidade dos deuses é o que somos
E o que somos é muito mais do que existimos.

Isso era pra ser silêncio.
Amor é o que se inventa pro inexplicável
Para o infindo
Amor é você
E nós dois
Isso era pra ser espelho
Mostrando tudo que sinto, imagino e, sinceramente, amo.
Mas concorro com as palavras, com minhas lembranças suas
E com a tristeza.
Isso era pra ser um beijo, um grito, uma declaração vívida
Uma paisagem linda, um carinho
Virou testamento antecipado do amor que ainda vive.
Virou pedido de desculpas por fraqueza
Por amor demais, por não saber falar.
Por querer contar cada olhar seu
Por querer pintar as cores dos seus risos
Por querer dar a você tudo o que ainda existo
Por querer ser uma
E ser só e fraca o bastante
Para ser de tudo, ao mesmo tempo.
E de tanto tempo o deserto vai se criando
Sem se ver.
Isso era para ser a mais simples e incontestável
Declaração de amor.
Virou surpresa: não sei falar de amor sem você.

quinta-feira, setembro 08, 2005

O INSTANTE EM QUE ELA BRIGOU COMIGO

Letra de música, de nada, de sacanagem, é de quem pegar primeiro...

Deu um tempo.
E daquele tempo
Tirou um violão, um livro, um gato mal encarado,
Uma dor no peito, dois gritos,
E alguma vontade secreta.
Daquele tempo
Encurtou o tempo
Mais que um passo de fuga.
Nem fugiu, nem andou.
Ficou entre o futuro e a fuga.
Nem em si era mais.
Nem seria ou foi.
Deu um tempo
Que era o mesmo.
Então torceu o nariz para que coubesse
No tempo que deu.
Ficou de pé-só
Meio de lado
E fez cara feia com a barriga
Para que o ar fosse daquele tempo só.
Viu que o tempo passou
Mesmo quando foi dado como aquele tempo
Porque mesmo quando não passa, passa.
Deu mais um tempo
E chorou.

Criação da Bucetilda

Mais uma da série auto-retrato...sem correção, quem quiser que leia esse caralho...

Há muito tempo escrevo em partes. É como se colocasse as sílabas em gavetas, num quarto distante, e as impressões me pautam e eu não pautasse as emoções. Escrevo sobre um mendigo, uma filha morta, um homem ausente de si mesmo desesperado e em busca de si na própria ausência; a alternativa viável. Coloco no papel, na madeira, no ar, no meio do trânsito, na boca de outra pessoa que me fala a minha própria voz, menos em mim.

É porque eu conto histórias pra um adulto. E adulto não imagina, não cria, não se impressiona, não tem coragem. Adulto é um menino no medo, um menino que é pai, que não escuta o que diz. Esse homem pula páginas, muda o vilão, o mocinho, troca de livro e se ajoelha ao pé da própria cama, não apaga a luz e inventa que dorme, descansa.

E quando saio à rua tropeço em pedaços de vida. Ou imaginações sobre a vida. Cruzo com quem era, com quem gostaria de ser. Se traço o mesmo caminho, vez em quando dou de cara com dois destinos inventados brincando. Se os pensei despreocupados, ao jogar pra trás, expulsá-los de mim, obriguei-os a crescerem, se criarem e nem se aceno de longe ou rio exageradamente de suas peripécias dão-se ao mínimo de me reconhecer. Vou vendo que o que eu sou é muito menos do que existo.

- Me dá aqui esse peito!
- Dou não, nêgo.

Corri pra mulher feito diabo foge da cruz. Mas fugi pro lado contrário; fui. E naquele momento, que não foi de experimentação sexual, não fui num casebre no interior, não foi na Lapa, na década devinte, driblando ladrões, bêbados e os fantasmas. Naquele momento me reparti feito doido. Ela bateu pra cá, pra lá, não quis nada mas não saía da minha cara de cão. Parece q naquela balbúrdia corporal teve calma de sobra e me aceitou, por pena, vaidade, vai se saber o que se passa nessa hora.

Não foi em lugar nenhum, foi aqui, na cachola, onde tudo cresce, surge. De vez em quando vão embora, nunca voltam, batem na casa quando não espero, não deixo entrar, fazem vigília, chamam os outros, passeatas, protocolos, uma quizumba que zune os ouvidos, elegem presidente, aceitam ser governados, fazem guerra, brigas de poder, leis, tomam posse, criam gado e hortelã. Já nem lembram mais porque estão lá. Fico trancado, pago a eles pelo pão, pelo conserto da geladeira, pra vigiarem meu jardim e quando vejo não sou eu quem me navego. Dependo deles e eles se esquecem de como nasceram. Nada devem.

Vez em quando vem um com cara de triste, sei que é safado, mas também não sou nenhum troglodita, me pega numa sensibilidade que dá dó. Sou seduzido e quando vejo tô sem cama, costas dóem, sofá nunca mais, tô sem amor e sem cachorro. Me junto aos dos protestos, como da mesma canjica, fico inflamado, falo alto, reclamo minha própria criação. Sou mais poderoso porque falo de mim pra mim mesmo. Vem chegando gente, daqueles que se foram, mais passeatas, mais protocolos, me torno presidente, tombo a casa, fecho escolas, deliro como um general e sua bala de prata, vou falindo hospital por hospital, fome, peste, mortes e mortes. Ninguém se atreve a nascer nem a ficar. Assim construo uma casa, sozinho, na cidade vazia.

Arranjo um amor e um outro cachorro.

segunda-feira, setembro 05, 2005

Homem na merda

Se texto precisa de revisão eu tô fudida. isso foi uma merda não-revisada que escrevi. faz parte de um conto q vou mandando aos poucos pra esse "blerg". a visão feminina e crua de um maluco aí com tesãozinho, com uma mulher por obrigação, por controle. sempre o controle.


I

Saberia nas próximas horas o que saber? Olharia a si do mesmo jeito e na mesma relação de estranhamento?
Havia poucos minutos estava na casa dela. Tinham ido ao cinema, comido qualquer coisa. Sem mais nada a dizer após três meses de apresentações, resolveram falar verdadeiramente de si. Foi então travada uma batalha antes de um diálogo, uma catarse, antes de lembrança. Se fizeram as primeiras e agudas críticas.

Já no carro dela, resolveram olhar o caminho a frente, os sinais, os pedestres, as próprias mãos. Não nasceram um para o outro.

Despediram-se, na casa dela, com um beijo. Procuraram o rosto, de raiva, desafio ou desconfiança, mas a força do hábito e a paixão por hábito remanescente, impulsionaram-lhes as bocas à frente.

Mal esquecia o copo d’água no filtro, o telefone lhe diz que está com saudades e que irá ver a irmã. Chegará um pouco tarde, mas mesmo assim ligará. Liga pra dizer que chegou bem, o bairro da sua irmã é perigoso. Perigosos são os homens que falam o que aprendem, uma combinação infinita de palavras e sentidos que filtram na alma, antes duma barreira à liberdade. Em três minutos, as promessas de mágoas e despedidas se arrojaram num turbilhão de sentimentos tão mais anêmicos como o carinho e a compreensão.

Por medo disse a si que a amava. Vá lá se saber o que o medo tem a ver com amor. Quando o homem entrega-se a algo, vira esse algo. Nunca se viu um que virasse amor. E então nasceremos para evitar, esperar, desconfiar, assegurar e verbalizar. Para não sair o ato por aí a corroer as vidas.

Na lógica do tempo foi deitando. Acendeu as luzes, teve medo das coisas, apagou as luzes, teve mais medo ainda das coisas quando não as via. Resolveu esquecer de ter medo e saiu.
Deixou a porta meio aberta, a luz da entrada acesa e virou como se a casa lhe espiasse. Considerava pouco sua, mais dela mesmo a casa seria.

Assim como as coisas em sua vida. Mais da vida tudo seria. A profissão era ela mesmo que exercia. Ficara famoso por obras que não precisaram dele para nascer e nem a ele consultaram quando foram amadurecendo.

Tornava-se um refém da vida.

Era como as palavras que se cospem da boca em fuga. São vinganças do significado que lhe cabem. Sou uma cadeira, nada mais posso ser. Um pente, um escaravelho, ladainha, porra, nada, tudo, sou um verbo e não ajo. Vingativo consigo mesmo Ele era como um verbo-palavra, cuspido dos próprios passos.

Não quis pegar o carro se carro tivesse. Se estivesse com raiva, raiva teria e foi se farsando até chegar numa ruela, como toda, escura, vadia, suspeita e ponto final de sentimentos confusos. Como se todo caos fosse dar em um pequeno espaço, onde perderia espaço para ser caos. Somos homens grandes, nossa alma não se mede.

Quando viu era um homem rude, bêbado. Soerguia a puta aos gritos e dela foi se renascendo. Dela viu-se um misto de pavor e ganância, cansaço e nojo, sem o cheiro do início do dia, sem os sonhos do início do dia e do momento que entrou como um homem distinto, leve.
Mulheres sempre amaram seu sujeito melancólico e desesperançado. Olhava a meio-olhar e sempre se detinha em um ponto inesperado dos corpos delas. Ria com os olhos e voltava a se consolar de tudo. Era batata.

Pedira uma água, com gelo e limão. Pediu licença para sentar, licença para falar. A puta se elegantou com os galanteios escondidos. Por muitos minutos se sentiu desejada, conquistada, cara.

Pedira um uísque, sem mais nem menos. Vai se saber o que se dá nessa hora.

domingo, setembro 04, 2005

Choro da Puta


Hoje deu vontade de chorar
Porque nao sei cantar
Hoje deu vontade de chorar
Porque nao sei o que quero da vida e o que ela quer de mim
Porque nao faço nada de bom pra ninguem
Porque nao sei me divertir sozinha
Porque o tempo passa como um filho malcriado
Porque nao durmo o suficiente nem o bastante
Porque tenho que trabalhar
Amanha ou em qualquer vida
Porque preciso de dinheiro
Porque preciso de um lar
Porque preciso de um corpo
E o meu corpo nunca quer ser meu

Hoje deu vontade de chorar
Porque sou impotente
Porque sou burra
Porque nao sou Joao Bosco
Porque o mundo ta cheio de gente
Porque me perco na hora das respostas
Porque nada do que quero esta a mao
Nem a vista
Porque desejo em silencio
Porque preciso falar

Hoje deu vontade de chorar
Mas eu nao chorei nao
Fui fazer um samba de cabeça
Dormi nas ruas do Estacio
E rasguei minha camisola
Pra me libertar

quarta-feira, agosto 31, 2005

Momento Caralho



Da Série Comentários do Dia

Política

Servidores Federais são vírus. Sobrevivem dentro de um corpo do Estado, se multiplicam, não fazem nada de bom e, por causa deles, somos obrigados a fuder uns aos outros de camisinha.

Economia

Dizer pra nunca ir a um supermercado com fome é mandar o doente nunca ir pra farmácia doente.

Cultura

O intelectual brasileiro pensa como uma cerveja: frio, suando, cheio de espuma na borda e só com alguma pressão.

Rotina

Preciso de uma mulher nova pra pensar enquanto me masturbo. Nem a Fátima Bernardes adianta mais. O Jornal Nacional não é mais o mesmo.

Social

www.ibdd.org.br. Olhem, reflitam.

Sendo Metida



A minha última experiência sexual foi um desastre, mas foi bom. Cansei dessas mulheres complicadas e fui ter com um animal com outro animal por dentro da calça. Como um vinho pra esquecer.

Ao contrário da mulher, ele não me tocava tanto. Ao contrário da mulher ele me chupava pouco.

Se sempre invado, dessa vez fui invadida. E um sentimento de roubo e desconsolo veio.

Se me excitava com um cheiro mais ameno e perfumado, dei de cara com a realidade do sexo e seus hormônios saltitantes.

Não gozei, não gostei, mas me senti segura, uma filha transando com o pai que não conhece.

E vi que o homem é um poço que não conhece a própria profundidade.

E a mulher é sede.

terça-feira, agosto 30, 2005

Momento Caralho


Da série comentários do dia

Política

Eu acredito no Lula. Não acredito em Papai Noel (embora os dois sejam parecidos)

Economia

Baseio minha vida em ganhar um dia na Loteria.

Cultura

Blogs são os incentivadores da preguiça de quem escreve e principalmente da preguiça de quem lê

Social

www.rits.org.br Está na hora das pessoas se interessarem pelo Terceiro Setor. Pagarem de volta o que a sociedade deu e dar o que ela não pagou.

Rotina

Hoje um pássaro cagou na minha cabeça. A merda tinha cheiro de cimento. Ou ele era pedreiro ou eu peido querosene todo dia. São os tempos modernos...


Segredo da Porra



Há no momento em que o homem
Pára, contrariando a lei de todas as partes do corpo, inclusive a consciência,
Até pq pára no termo impossível q inventou.
Enfim, há nessa hora, ajuntando-se o fato de ele escrever
Poesias assim
Um segredar de coisas q apavora.
Apavora saber aquilo que ele naum conta
O q exala, imperfeitamente por entre os olhos de quem lê.
Apavora imaginar q o q se sabe é a ponta de um coração
Que o homem, qnd pára e escreve,
Torna-se cúmplice de seu silencio
E o transforma em algo bem visível, sonoro.
Mas silencioso, nem abaixando e calando td a volta.
Apavora descobrir q ninguém será capaz de ouvir,
Pois os meios a se fabricar o silencio próprio
Naum é meio pra desvendar os meio alheios.
Completamente alheios aos próprios meios.
Há em cada um estradas infindas que se percorrem
No trato com o baleiro, ä resposta da mulher amada
No choro escondido no banheiro, a descoberta de quem somos.
Achamos respostas para perguntas e naum achamos no mesmo e exato tempo, pois segredamos e sussuramos e nos perdemos.
É pra isso q serve o tempo, pra existir na hora das respostas
Apenas para indicar e ocultar o zunido dos segredos que ziguezagueam
Costurando com fios de frio a nossa solidão.
Apavora encontrar-se a si nas coisas iguais a nós
Em essência
Naquilo que parece ser vivo e é
No horizonte, pedaços confinados de sonhos
Na clemência e paciência dos mares e das plantas
Que são a representação da própria resposta e da pergunta
Vai-volta, leva-traz, contidas e libertas pelo vento
Ou por nossos olhos.
Apavora saber que numa carta pode estar deus
E na resposta dela, a certeza do homem.