quarta-feira, dezembro 14, 2005

O Lugar que não existe

Passei o final de semana em Penedo, a Finlândia brasileira. Lugar bom, bonito e barato. Jeito de muitas histórias por trás dos rótulos das coisas e biografias magnânimas dos antepassados do lugar. O primeiro chegou de navio com o intuito de fundar uma sociedade natural. Lá, debaixo de quilos de neve, não seria possível. Sem carnes, peladões, suando na sauna (invenção deles), comendo cenouras e vagens com a bunda nas pedras da cachoeira. Não deu muito certo. Muito mosquito, cobra e dificuldades de adaptação. Não à toa foi e voltou para a terra natal sete vezes em dez anos. Pelos registros , sem usara de força escrava e negra. Apenas da vontade de seguir, dos corpos brancos de doer na vista e de algum sonho maior. Alguém pergunta: por que Ênia fala desse reduto com coisas embaixo das coisas?

Porque fiquei imaginando, vendo aquela "finladiada" loura toda , uma África Brasileira. Será que algum negão do Togo, com a pica grande balançando, cheio de mulheres, patuás e músculos não sonhou um dia em viver num dossel pacífico, longe de guerras tribais e da secura incadescente de sua terra? Ou no frio esquisito do Norte? Ou nas águas doces abundantes do sul? Será que algum bérbere, banto ou soninké não sonhou com uma espécie de deus falando português em uma Salvador qualquer?

Fiquei imaginando que não deu tempo, caros. Antes que pensasse, tomaram suas mulheres, sua plantação, armas, crenças, erros e a liberdade. Teve que adaptar-se em qualquer lugar. Extraviado por navios ou não, comprado, vendido, usado. Conquistado, barato ou caro. Sem nada, reproduziu-se. Estrupadas as mulheres, não conseguiam amar aos filhos. Filhos de quem? Da dor, da humilhação? Amamentavam a perpetuação da tristeza e as saudades de casa. Não quiseram vir, nem fundar nada mais natural do que já tinham. Não escolheram. Não conquistaram.

A África brasileira, mesmo assim, existe. A fila anda. É preciso saber viver. Sobreviver. Mas sem histórias por trás das histórias. Está no Brasil por debaixo do Brasil. Intuitivamente não afundaram; ascenderam. Por cima das cabeças dos conquistadores. Perto da lua. Onde a voz, o violão e o samba coexistiam sem ser incomodados. A única forma de liberdade persistia sem ser velada. O homem, antes do negro, cantava.

A África brasileira é irregular como os morros, os barracos e a história de si mesma.

O negão do Togo não soube voltar. E ainda , infelizmente meus caros, tão brasileiro como nós, não aprendeu a ficar.