quinta-feira, setembro 08, 2005

Criação da Bucetilda

Mais uma da série auto-retrato...sem correção, quem quiser que leia esse caralho...

Há muito tempo escrevo em partes. É como se colocasse as sílabas em gavetas, num quarto distante, e as impressões me pautam e eu não pautasse as emoções. Escrevo sobre um mendigo, uma filha morta, um homem ausente de si mesmo desesperado e em busca de si na própria ausência; a alternativa viável. Coloco no papel, na madeira, no ar, no meio do trânsito, na boca de outra pessoa que me fala a minha própria voz, menos em mim.

É porque eu conto histórias pra um adulto. E adulto não imagina, não cria, não se impressiona, não tem coragem. Adulto é um menino no medo, um menino que é pai, que não escuta o que diz. Esse homem pula páginas, muda o vilão, o mocinho, troca de livro e se ajoelha ao pé da própria cama, não apaga a luz e inventa que dorme, descansa.

E quando saio à rua tropeço em pedaços de vida. Ou imaginações sobre a vida. Cruzo com quem era, com quem gostaria de ser. Se traço o mesmo caminho, vez em quando dou de cara com dois destinos inventados brincando. Se os pensei despreocupados, ao jogar pra trás, expulsá-los de mim, obriguei-os a crescerem, se criarem e nem se aceno de longe ou rio exageradamente de suas peripécias dão-se ao mínimo de me reconhecer. Vou vendo que o que eu sou é muito menos do que existo.

- Me dá aqui esse peito!
- Dou não, nêgo.

Corri pra mulher feito diabo foge da cruz. Mas fugi pro lado contrário; fui. E naquele momento, que não foi de experimentação sexual, não fui num casebre no interior, não foi na Lapa, na década devinte, driblando ladrões, bêbados e os fantasmas. Naquele momento me reparti feito doido. Ela bateu pra cá, pra lá, não quis nada mas não saía da minha cara de cão. Parece q naquela balbúrdia corporal teve calma de sobra e me aceitou, por pena, vaidade, vai se saber o que se passa nessa hora.

Não foi em lugar nenhum, foi aqui, na cachola, onde tudo cresce, surge. De vez em quando vão embora, nunca voltam, batem na casa quando não espero, não deixo entrar, fazem vigília, chamam os outros, passeatas, protocolos, uma quizumba que zune os ouvidos, elegem presidente, aceitam ser governados, fazem guerra, brigas de poder, leis, tomam posse, criam gado e hortelã. Já nem lembram mais porque estão lá. Fico trancado, pago a eles pelo pão, pelo conserto da geladeira, pra vigiarem meu jardim e quando vejo não sou eu quem me navego. Dependo deles e eles se esquecem de como nasceram. Nada devem.

Vez em quando vem um com cara de triste, sei que é safado, mas também não sou nenhum troglodita, me pega numa sensibilidade que dá dó. Sou seduzido e quando vejo tô sem cama, costas dóem, sofá nunca mais, tô sem amor e sem cachorro. Me junto aos dos protestos, como da mesma canjica, fico inflamado, falo alto, reclamo minha própria criação. Sou mais poderoso porque falo de mim pra mim mesmo. Vem chegando gente, daqueles que se foram, mais passeatas, mais protocolos, me torno presidente, tombo a casa, fecho escolas, deliro como um general e sua bala de prata, vou falindo hospital por hospital, fome, peste, mortes e mortes. Ninguém se atreve a nascer nem a ficar. Assim construo uma casa, sozinho, na cidade vazia.

Arranjo um amor e um outro cachorro.