sexta-feira, março 10, 2006

Casa de Cultura de Alguém pra Ninguém

"Uma estante cheia de livros não tem ação. Não modificam nada". Foi o que pensei bêbado, quando cheguei naquele apartamento. Lindo, charmoso, extremamente cuidado, num zona nobre de uma zona nobre do Rio de Janeiro. Tocava Caetano. Um Caetano bem roots, um disco que adorava, só de marchinhas de Carnaval. Foi feito numa época louca, de muito movimento, político e artístico, contestação, o auge da juventude que fazia o mundo. Não o ideal de juventude que faz o mundo de hoje. O passeio da vista continuou pelo cheiro. Incenso que nunca senti, coisa de gente espiritualizada e que já visitou a índia. O fino da bossa. Carrancas, palhas, pirâmides e uma televisão gigante de tela plana, do preço de uma vida minha de trabalho. Estava na utópica relação entre a alma e a tecnologia. O dinheiro e o modo justo de usá-lo. Perfeito se todas as casas no brasil fossem assim.

"O problema é que não são". Foi o que me escapuliu e pensei de novo. Penso demais às vezes. A dona da casa tinha buscado uns biscoitos, umas cervejas e um baseado no quarto. Meu amigo havia esquecido. Não fumo mais. A varanda era ótima, dava pra ver, deitado no futton, um produto da arte camponesa e pobre do Japão, datado de milhares de anos, o Cristo Redentor. Acho que sempre dá pra ver o Cristo Redentor de lugares abençoados financeiramente por ele. Do porão é que não dá. Tinha uma rede. E enfim fui olhar os livros com atenção. Fiquei impressionado. Havia muitos, o curso completo de sociologia, literatura e estudo dos movimentos sociais. Alguns falavam de negros, outros de índios. Tijolos de arte. Clássicos indispensáveis para qualquer elite intelectual que se respeite. A dona da casa sabia tudo de pobres.

"Nossa, Nelson Cavaquinho!". Lá vou eu pensando novamente. Era um vinil do homem. Que cantava mangueiras e subia morro cantando. O negão com cabelo branco estranho tinha que tocar e completar aquele kibutz pobre e alternativo cultural.

E foi ouvindo o Nelson que ouvi a dona da casa contando de suas peripécias num sítio no interior do Rio. Lugar pobre, mas tranquilo. Pra quem busca tranquilidade. Também entrei na conversa de áreas vips que a menina aproveitou e que aproveitaria. Assim como viagens a Europa, festas de aniversário futuras com dois djs num só espaço e sobre a felicidade de estar apaixonada.

O Brasil está bem nas mãos dessa elite. É sempre bom dormir de barriga cheia.

sexta-feira, março 03, 2006

Música Clássica

Gosto de música clássica. Ainda mais quando não tenho muito o que fazer. Sempre penso que é perfeita porque compoe um cenário, uma vontade. Se estou com sono ela me nana, se tô puto, ela me enfurece, vêm aqueles violinos e mandam ver. Melhor que guitarra. Levanto do sofá, coço o saco. Sempre coço o saco. Vou na geladeira e fico na frente dela o tempo suficiente para sentir frio. Pego uma maçã. Não, maçã prende. Faço um guaraná. Pego um biscoito na dispensa. Ligo a televisão pra rivalizar com a música clássica. Assim penso melhor. Abro o jornal e vejo o nome dela. É verdade, escreve muito bem. Todos aplaudem, menos ela. Já era de se esperar. Conhecida pela rabugentice. Pensava até que poderia ser falta de homem. Mas vejo que é uma senhora bonita, elegante e até jeitosinha. Pro meu tio mais velho. Nada de se jogar fora. Não tenho muitos motivos para matá-la. Sempre foi honesta e coerente em suas críticas teatrais. Não gosta de aparecer muito e me parece, apesar do texto feroz, uma boa pessoa. No entanto, preciso ter estratégia. E minha estratégia é causar medo nessa eltizinha intelectual que não serve pra nada. Criticas de teatro não servem pra muita coisa. E ela é famosa, muitos desejariam acabar com sua vida. Forma ingênua de dizer e expor o ódio que o ego sente quando é contrariado. Muitos do que ainda matarei se sentirão aliviados. Artista é foda. Mas o medo vem, mesmo com a mais recôndita satisfação. Ele vem na frente. Vê que não foi a megera quem morreu e sim que um conhecido editor de cultura o fez antes dela. E sim, poderei ser o próximo. É o ínicio da neurose. Um serial-killer à solta. Ouvi dizer que se tratam de homens inteligentes, geralmente bem relacionados, e que acharm estar certos em suas decisões. Minha diferença em relação a eles é que sei a medida exata da minha loucura. Acho muito doido tudo isso. Além disso não tenho muito prazer. É ódio mesmo. Penso, medito, planejo, mas no fundo sou movido pela raiva. Aos poucos verão que só quem merece é que cai. Quem matará essa mulher, serão as próprias pessoas que desejo matar.