sábado, maio 26, 2007

Ala Coreograda

(Em7 Am7)

Mesmo quem se esconde
Me parece
Papo de macumba
Eu tomei só
Jogo de cabelo me apetece
Esvai no xilindró

Corisco do Rio
Ta na frente
Quem disse a verdade
Não sei não
Reformada a casa do parente
Tomei tiro na mão

Curta de umbú
Transmissão no caixa-prego
Rabo de zueira
Pra galera ter no bar
Teve comentário
Teve latada no rego
E marimba no ar

Poça de intenção
O inferno ta na mira
Quis lembrar do amor
Mas caí
Fui mais desolhado
Que a pretona da Zulmira
E bebi meu Aldir

( C7+ Bm7 Em7 Am7)

Samba de mucambo
Tem mais nego dando dez
Pernadas

Olha que estranho
Há uma nega entre a dor
E o nada

(Em7 Am7)


O tempo reanda
Só de ida
Fala pro Cauam
Que a beleza anda lá
Quentinha murmura
Na descida
Entope o patuá

Diz que é coisa feia
Mas deu no bicho de novo
Eu já vi tragédia tropeçar
Corre pro terreiro
Que hoje tem missa do galo
E um samba pra rezar

Quatro da madruga
Rendi presa
Fui olhar pra cima
Mandaram eu repetir
Redobrei a insônia acesa
Dei moca e fugi

Então a pedrada
Comeu solta
Faz mal pra novinha
Que esse canto não é samba
Bicho de sonhar só da na boca
E perna em saci.

( C7+ Bm7 Em7 Am7)

Samba de mucambo
Tem mais nego dando dez
Pernadas

Olha que estranho
Há uma vida entre a dor
E o nada

Samba de mucambo
Tem mais nego dando dez
Pernadas

Olha que estranho
Vi a morte na
Cadência errada

quinta-feira, maio 24, 2007


Existe algo de indizível no dar as mãos. No dar as mãos apaixonadamente. Como se fossem duas crianças sem-graça ao se amarem, tocando as existências entre as pernas dos pais, de forma envergonhada. E num átimo de tempo, tão pouco que chegam a confundir presente e futuro e vêem-se a si mesmas como uma história só, nesse intervalo, crescem. Vem a barba, os desejos, os seios ralejam com o ar, querem-se muito. E as mãos se apertam. E as almas se apertam. São a parte mais íntima do amor.

segunda-feira, maio 07, 2007

Canção do amor da desrotina (ou que pára por um segundo)


Tom: Em

Hoje acordei às cinco da manhã
Vi um sol nascendo aberto
Não tinha sono,
Tinha um amor dormindo ao lado
Tinha um silêncio azul e claro
Entre os telhados
E a minha alma
Não entendendo o que cantar

Desespero de morrer
Tão inconstante
Tão vivo, disco e futuro
Feito carrasco que corta o que sente
Cheio de culpas, lapas,
Pela frente

Hoje eu acordei aceso
Meditei no chão e na blusa
Tentei orientar o medo
De escolher um caminho,
De trilhar um caminho
De guardar o abandono e
A recusa

Deu vontade de acordar
Todo mundo
De evitar mais um dia
Estio
De puxar pelas mangas meu pai
De sair com os olhos vazios

Deu vontade de amar
Todo mundo
De parar com os dedos o choro
Aprisionado em cada homem
Que afio
Na rotina de passos tão frios.

sexta-feira, maio 04, 2007

Dona Glória

Dona Glória me olhou sem nenhuma surpresa. Continuou descascando alho. Eu estava no cumprimento de um ofício. Buscando personagens para uma matéria qualquer. Não importa. Saí da redação, dei trinta passos e entrei em sua casa, que era seu local de trabalho. O fato de ter feito da sala uma fonte de renda não me fez ficar menos tenso ao entrar. Tinha televisão ligada na novela, tinha fotos de família, mobílias velhas com objetos pessoais. Era um espaço privado e íntimo. No entanto o incômodo estava do meu lado, não do dela. Dona Glória ficou impassível diante das perguntas consecutivas e da figura completamente desconhecida. Respondeu a tudo com uma tranqüilidade acolhedora, ofereceu água, café, refrigerante (“porque aqui eu vendia cerveja, mas dava muita briga entre esses homens”) e um bolo. Não aceitei e continuei o questionário. Questionário imbecil.
Eu estava em um momento confuso e triste da vida. Trabalhando demais, raivando-me demais, vendo meus amigos de menos, respirando menos ainda. Sentia culpa do que não sabia e , contraditoriamente, me fazia de coitado diante da vida. No percorrer dos trinta passos fui pensando em tudo isso, enchendo-me de importâncias e peso. Entrei afobado. Duro.
Escrevo isso para agradecer Dona Glória por aqueles trinta minutos de papo. Ela, com uma sabedoria natural, transformou a entrevista em conversa, a sede de informação por troca de boa energia. A urgência em paz. Não precisou clamar a nada por isso. Apenas me aceitou desde o primeiro momento em que entrei em sua residência. Sem julgamentos nem desconfiança. Contou uma história linda de superação e vitórias. Embora ainda cozinhasse pra viver e tirasse no máximo uns 600 reais por mês, tinha altivez diante da posse. Desapego. “Já fui de tudo. Trabalhei com tudo. Agora estou bem. Não preciso me matar pra viver. Não preciso de muito pra me sentir bem. Os meninos vêm aqui e lancham. No sábado fazemos um churrasquinho”. Entendi, como nunca, que não era a inércia da pobreza, falta de ambição, conformismo. Era o elogio do humano e não do ego. Era uma lição pra mim. Cura.
Dona Glória me levou até a porta e viu as crianças correndo da barata. “Tia Glória, mata a barata!”. E eu a vi flutuando acima das pernas inchadas e anos de sacrifício. Ria alto.
Voltei pra redação, botei as coisas na bolsa e decidi seguir os conselhos calados e decisivos daquela estupenda mulher.
Sem matéria, importâncias e sem peso.