terça-feira, dezembro 27, 2005

Réquiem de merda nenhuma

Incrivelmente triste.

Sem dor pra apalpar

Nem costas pra dar à vida.

Encaro-a de frente.

Bêbada

Assassina





Eu mesma

Conflito a menor parte de mim mesma

Com a parte

Que não cabe

Nem se sabe

Em mim.

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Ode ao Sambaman Eletronic Band

Um dia houve poesia
Aí o samba nasceu
O azul fez mar
O céu copiou
E Deus emudeceu


A poesia acabou
Entrou a chuva forte
A dor de faiscar no mundo
E o homem entendeu


Entendeu que esquecimento é razão
Que existem mais fronteiras que
Paixão
Que ser demais é algum encontro
Que duas doses
É infinito


Aí a poesia,
Subterrânea, subterfúgio, submérgica,
Subnunca,
Aí a poesia,
Marginal,
Malandra,
Assassinou
Um pouco das almas
Pouco a pouco


Aí o samba desceu
O azul da alegoria
Os céus da boemia
Num canto da orgia


Deus Jurou
Que nos tem amor.

quarta-feira, dezembro 14, 2005

O Lugar que não existe

Passei o final de semana em Penedo, a Finlândia brasileira. Lugar bom, bonito e barato. Jeito de muitas histórias por trás dos rótulos das coisas e biografias magnânimas dos antepassados do lugar. O primeiro chegou de navio com o intuito de fundar uma sociedade natural. Lá, debaixo de quilos de neve, não seria possível. Sem carnes, peladões, suando na sauna (invenção deles), comendo cenouras e vagens com a bunda nas pedras da cachoeira. Não deu muito certo. Muito mosquito, cobra e dificuldades de adaptação. Não à toa foi e voltou para a terra natal sete vezes em dez anos. Pelos registros , sem usara de força escrava e negra. Apenas da vontade de seguir, dos corpos brancos de doer na vista e de algum sonho maior. Alguém pergunta: por que Ênia fala desse reduto com coisas embaixo das coisas?

Porque fiquei imaginando, vendo aquela "finladiada" loura toda , uma África Brasileira. Será que algum negão do Togo, com a pica grande balançando, cheio de mulheres, patuás e músculos não sonhou um dia em viver num dossel pacífico, longe de guerras tribais e da secura incadescente de sua terra? Ou no frio esquisito do Norte? Ou nas águas doces abundantes do sul? Será que algum bérbere, banto ou soninké não sonhou com uma espécie de deus falando português em uma Salvador qualquer?

Fiquei imaginando que não deu tempo, caros. Antes que pensasse, tomaram suas mulheres, sua plantação, armas, crenças, erros e a liberdade. Teve que adaptar-se em qualquer lugar. Extraviado por navios ou não, comprado, vendido, usado. Conquistado, barato ou caro. Sem nada, reproduziu-se. Estrupadas as mulheres, não conseguiam amar aos filhos. Filhos de quem? Da dor, da humilhação? Amamentavam a perpetuação da tristeza e as saudades de casa. Não quiseram vir, nem fundar nada mais natural do que já tinham. Não escolheram. Não conquistaram.

A África brasileira, mesmo assim, existe. A fila anda. É preciso saber viver. Sobreviver. Mas sem histórias por trás das histórias. Está no Brasil por debaixo do Brasil. Intuitivamente não afundaram; ascenderam. Por cima das cabeças dos conquistadores. Perto da lua. Onde a voz, o violão e o samba coexistiam sem ser incomodados. A única forma de liberdade persistia sem ser velada. O homem, antes do negro, cantava.

A África brasileira é irregular como os morros, os barracos e a história de si mesma.

O negão do Togo não soube voltar. E ainda , infelizmente meus caros, tão brasileiro como nós, não aprendeu a ficar.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Boca Delivery

"Quem um dia visse uma boca de fumo não compraria mais drogas.
Porque ali, ou acolá, que é onde der na telha estar
Entre bolas e soldados, entre pipas e fuzis, entre as vidas e uma única morte.
Entre tiros e afins. Andam homens, velhos, doces, sonhos, pães, portas de casas, livros, cheiros.
A ameaça é mambembe.
Quem um dia visse, colocaria a arma na panela de pressão da empregada.
E o feijão, um tipo de suicídio.
No ronco da tarde.
"


- Cícero Lido, poeta pernambucano.

Duelo de tãos




Pra vida, a morte

Para muitas vidas, apenas uma morte.

Deus deu muitas vidas e uma morte

Dois ouvidos pra escutar, mais que falar

Quem ouve a vida ou a fala a morte

Quem vive ou quem morre

Só morre após a vida

Então me diz: quem é mais?

terça-feira, dezembro 06, 2005

Morto e Fêmea




Eu tô cansado amigo. Vou dar rolé, puxar um cré, viver de ré pra dar um tempo na cabeça.
Não começa, tô sozinho, uma criança perdida no vizinho ali do lado, sabotado
Um bom lugar não é o meu , quem se perdeu uma vez , toda vez a mesma coisa
Quem vem lá? Quem sou eu? É a morte toda prosa.
Poesia
Algum dia prometia
Cortesia
Nessa vida quem diria
Toma cá, vou andar, muito mais pra vazar disso aqui que sou eu como um rito
Brota um tanto de um osso, os policias no pescoço, correria, tiro e grito
Algum homem me matou
Capa preta, linha reta, a receita desandou
Deus sentado, bunda dura, viu um filho
Nele mesmo se acabou.

Eu tô cansado amigo. Vou dar um pão, ferro e chão, uma canção pra cantar
Não é lá , cai rapá, lero e bá noite foi
Noite veio papo vem, a mulher que sou eu
Conquistei beijo meu
Me amei , amo eu
Tampa a nuca , toda idéia, tô cansada, feito o tal
Tô na pilha, mãe e filha da mulher
Quem disser que não , diz que é
Morto e fêmea
Basto o dia quando caio mesmo assim
De pé.

Poesia
Algum dia prometia
Cortesia
Nessa vida quem diria
Dar rolé
Puxar cré
Lero e bá
Conquistei
Algum homem
Em pé.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

LEBLON

Não gosto de situar lugares. Prefiro decupar cheiros e luzes. Mas era Leblon. O bairro, como uma estação do ano. Anunciavam flores pelas ruas e maresias no ar diferente. Que vinha do mar, mesmo sem vê-lo. Estava num ônibus, que zombava da simetria da vida ali, naquela hora, naquela passagem. Era grande, rosnava, cheio de gentes, a maioria escura. Estava sábado. O dia, como uma temperatura. Descombinava, humilhava-se, um bobão gigante, desengonçado e feio. Mostrava a língua. Criança mal-educada na fila. E eu xingava a todos pelos meus olhos quebrados.
É que eu não pertencia àquele lugar. Fazia questão de despertencer os outros ao meu lado; insones, caducos e mortos de tanto trabalho. Éramos uma afronta, um tipo de revolta e nossa própria polícia cheios de gás lacrimogêneo. Éramos gritos e gritos sobre os gritos que tentam abafar-se a si mesmos. Por isso pendíamos as cabeças pra lá e pra cá, praqui e acolá, uma freada sim, um calombo sim, um desembarque, apito, curva, reta, sono, espirro, mulheres, mar (entre prédios e prédios). Como soldados marcados , presos e cheios de liberdade.


Sentia dor. Pela dor de não tocar os homens do Leblon mesmo sendo um homem. Estacavam no peito, como ferimento mortal e bandeira, um Brasil que não existe. Nem aqui, nem na China. Aquilo tudo era delírio, uma encenação cínica feita pra ninguém. Nossos tiros sangravam fantasmas. Bem limpos, vestidos, felizes, livros, cafés, bolinhos to die for, o Globo, pranchas, mechas, postes de isopor, andares lentos e obras definitivas cruzando-se e saudando-se. A sujeira que chegava no ônibus chegava, calava e passava. Em direção a própria sujeira. Circular.

Restava pouco tempo. Em breve desceria. Precisava escolher em fundir-me covardemente ou cagar literalmente e literariamente na cabeça daquela Europa perversa. Suava frio, vontade de peidar, as sobrancelhas bagunçavam, a bunda amassada, caminhei.

Passei pelas cervejas, pela boemia histórica e inútil. Pelas lojas caras, quase todas. Por um entregador velho. Entrei na livraria. Era o centro difusor daquilo tudo.

- Estou procurando um livro.

Óbvio. Falei meio nervoso, olhava a grandeza do lugar. Olha como estou situando tudo, muita gente sem olhar e olhando, cheiro de madeira e café, como uma pessoa.

- Qual?
Estanquei. Negro, mal-arrumado e com cheiro de mofo no black-power. Todos estancaram, como se tivesse cortado os pulsos no meio dos vampiros. Atraí. Aproximavam, esticando os ouvidos e os cérebros. Era a hora da revolta. Num Leblon sábado à tarde, como uma alma.


- Um sobre favela.

Não tinha lá. Mas comprei outro de mesmo assunto. Vinguei. Mostrei o veneno no seio da cura. Salvei-os também. Agora se precaviam. Guardavam mais no canto, escondiam como mito, oravam pra esquecer. Existia um ônibus revoltoso na livraria. Só que não apitava, nem balançava. E ao sair dali, cortava ao meio toda aquela maresia. Era arma e escudo de uma guerra invisível.

Fui pra longe dali. Prum bairro mais pobre. Começava a despertencer as coisas.

A inquietude, como uma vida.