segunda-feira, abril 30, 2007

Boladão na favela


Quando meu deu a idéia de escrever sobre ela , me veio, como força de hábito dos dedos e das razões, contar cronologicamente sua vida. Mais: detalhar o ambiente em que cresceu, os fatos vividos e os cheiros do caminho. Um dia se fará uma biografia com sensações. No entanto me veio a frase de um amigo meu literato de primeira. A frase eu não lembro, mas a sombra descrita é que o tempo reanda só de ida, mas volta e revolta em constância pra definir algo. Barronianamente: não há tempo certinho na literatura. Começo, meio e fim é balela de professor de português. Bem, não tenho pretensão, nem a falsa, de chamar-me ao texto de produção literária, nem sei porque usei de tantas linhas pra explicar algo, mas sinto , e assim, vou, que é que a entendo dessa maneira, jeito e ocasião.


E vou ser breve. E dividir.


Tomada Um


Tomei uma porrada do olhar dela. De cima a baixo, de cima a baixo e com desdém. Uma observação detalhada e blazé de minha humilde e assustada pessoa. Achei que ela sorriria. Achei que causaria algum tipo de impressão. Meu ego se dissipou na tenda improvisada. Eu fui reduzido e fiquei puto. Mimado. "Essa é a Nega Gizza". Eu sei, eu sabia, eu saberia dali por diante. Negona bonita, com força na voz, inteligência superior, raiva saindo das mãos. Antecipou a imensa figura que seria pra mim no futuro sem o ser no dado momento. Mas na hora eu não gostei. Eu não gostei de mim mesmo ao querer ser visto antes de entendê-la. Por não descobrir que era mais que uma cantora, que tinha mais vida que o corpo imposto e controlado, que era uma artista na definição mais pura das mais puras que anteséculo foi pensada.


"Playboy boladão na favela". Gizza sempre tinha um jeito de desequilibrar minhas certezas. Eu achava , intimamente, que estava tomando um caminho que ninguém tomou na minha profissão. Embora minha família fosse de uma, embora minha história estivesse em uma, eu ainda era um playboy na favela. E não sabia se meu esforço de aproximar jornalismo a esse espaço taxado de informal estava já no caminho certo. Nem que era algum caminho. Ela estava certa, sempre estava. Fiquei calado, ouvindo, enquanto dava uma entrevista para uma patricinha qualquer que não sei se entendeu metade das coisas que a negona dizia. Uma entrevista pra menina. Uma aula para o playboy aqui.