domingo, dezembro 17, 2006

Desistória

Quando você me acordava
Com os cabelos molhados
Quando dizia que era sono
E me recrutava a zelá-lo
Quando não sabia que era vista
E acarinhada minutos seguidos
Na noite
Quando ria de perder o riso
Quando espirrava de perder as forças
Nos pés
E arrojava um vermelhão no nariz
Como um alvo
Quando aparava as unhas em frente a TV
Quando me cheirava de surpresa
Quando me abraçava a si mesma
Quando inventava bugigangas de comida
Quando eram horríveis
E quando eram deliciosas
Quando esquecia das coisas
E quando me lembrava delas
Quando dançava ao me vencer
E nos ninava no cansaço
Quando pensava com as mãos no início do dia
Quando pensava demais e franzia os olhos verdes
Quando ligava com a voz embargada
Quando sub-metia os braços finos nos meus
Quando misturávamos as cores
Quando era da pele
Quando era da alma
Quando era da voz
Quando ouvia as mil histórias sem soluções
Quando eram sem pé nem cabeça
Quando eram lindas
Quando eram desistórias
Quando segurava o cansaço de um povo
Para escuta-las de todo
Mesmo quando não eram
Quando adivinhava sua fome
Quando brilhava os olhos, adiantando-os.
No futuro e trazendo-os firmes nas vontades presentes
Quando alugávamos filmes e você só queria ver um
Quando dormia no meio deles
Quando ria no meio deles
Quando estava ao meu lado, no meio deles.
Quando guerra era dos santos
Quando chegava de surpresa
Quando me deu flores
Quando me deu a si
Quando foi compreensiva com as minhas ignorâncias
Com os meus medos
Quando tentava me adivinhar no caos
Quando se esquecia na calma do domingo
Quando deixava ensiná-la sobre futebol americano
Quando pedia que eu adormecesse no seu colo
Quando queria companhia para ver aquelas séries horrorosas
E quando não via o prazer e a atenção com as quais
Eu as via
Quando me chamava
Quando me chamava de nomes eternos
Quando queria ser livre
Quando sempre foi livre
Quando planejava nossa vida
Quando relevava meus impulsos
Mesmo agora, quando não quer senti-los
Mesmo agora, quando não somos
Mesmo agora, quando não sonhos
Mesmo agora, quando sem trilhas
Sem eu sem você
Mesmo agora, quando éramos
Quando o dia inteiro
É quando eu lembro
Quando havia amor
Quando havia você
Quando eu a amo
Quando nós
Quando a saudade traz o passado
Inteiro, sem cortes
Ou esquecimentos
Quando ele está dentro
Mais dentro que o homem
Quando assim
Assim mesmo
Quero dizer tanta coisa
E digo sem dizer
Pra não dizer quando
For a hora fora
De quando agora
Eu a amo
Desde quando
Somos.