segunda-feira, fevereiro 13, 2006

RELATO DE UM ASSASSÍNIO (Série de Assassinatos - I)

Não agüento mais esse mundinho de hoje. Sou um peixe fora d’água. De qualquer água. Se pudesse resumir a sociedade brasileira, do início do século XXI, em uma só palavra, diria: desencaixe. Nada combina, é um desencontro permanente. Mesmo com gente de uma mesma tribo, de um mesmo jeito, da mesma rua, comendo as mesmas mulheres, bebendo as mesmas cervejas, nos mesmos bares, com os mesmos erros, nas mesmas horas. Parece que nada se conecta a nada. O Brasil é uma pocilga cheio de gente boa, que, pela bondade, não modifica nada a tempo hábil e , pelo mesmo sentimento, se enche de culpa e cansaço. Temos as celebridades, que aparecem. Nada sabem, nada entendem, nada modificam. Ajudam no quadro desgraçado de tudo permanecer como está. Não inspiram. Deviam inspirar, como ídolos passados. Mas tudo que fazem é estabelecer a programação do dia. Temos a elite da grana. Que compra. Fornecedora do tipo mais feroz de ilusão: o consumo. E o consumo é estúpido, imobiliza. Essa gentinha é asquerosa, mas ignorante. Dos que eu tenho raiva estão aqui, do meu lado nesse Café. Um dos que mais odeio gosta de mate puro e forte com coca. Diz que é pra se manter acordado, é um jornalista ocupado, não tem tempo, mas precisa fazê-lo girar com as notícias, dar a impressão de que tudo passa rápido. Precisa enganar. São eles que me causam azia, queimação e má digestão. São os senhores da mídia, da imagem, os que produzem e reproduzem, que se acham com o reinado na barriga e fazem da informação penduricalho do ego. Jornalistas, escritores, pintores, poetas e compositores que se vestem para significar, que significam para vestir, para fazer parte e desfazer ao mesmo tempo. Os que são blazé até no perfume. Intocáveis, intangíveis e tão merdinhas quanto qualquer um. Vou falar mais deles a medida em que os for matando. Porque é por isso que estou aqui. São quatro horas da tarde, é Leblon, é mormaço, já tomei duas águas sem gás e uma neosaldina. Vou esperá-lo ir ao banheiro. Está esperando uma fonte, uma mulherzinha que deve estar comendo e que trabalha em alguma assessoria de alguns artistas famosos. Ele é editor da parte de cultura do maior jornal do Rio. Fala manso, é arrogante, já mandou muito conhecido meu embora só por não participarem da sua rodinha de maconha, cachaça em Santa Teresa, reuniões regadas a muita mutreta nos grandes apês de São Conrado e fudeções interessadas nos motéis sujos do centro. É conhecido, grande no meio, cresceu na base da delação e do puxa-saquismo. Além disso eu acho que é viado e ainda não sabe. Está com um arzinho infame, caga para a realidade brasileira e só quer saber de status, que vem junto com grana, que vem junto com ele. Vou precisar eliminar uma peça para que esse quebra-cabeça faça sentido para o mundo. É uma missão. Está na hora de alguma coisa encaixar na cabeça das pessoas.